Efeitos da Cannabis na Performance Desportiva
- Lucas Cerqueira
- 13 de set. de 2018
- 10 min de leitura

Hoje quero falar-vos sobre o uso de Cannabis e como os seus efeitos podem beneficiar ou prejudicar a performance desportiva, passando um pouco pela estética corporal. É importante frisar que existem três tipos de cannabis, sativa, indica e ruderalis, mas apenas irei abordar a primeira, sendo esta, a mais comum e consumida.
(Ao longo desta publicação, irei abordar alguns estudos e as suas referências estarão no fim da página, para quem estiver interessado em consultar).
Bem, para quem nunca fumou uns “canhões”, este texto pode vir a parecer um pouco desinteressante, mas o saber não ocupa lugar, mas para quem fuma de vez em quando e para aqueles que fumam com mais regularidade e têm curiosidade de saber mais sobre isto, continuem a ler…
A cannabis sativa, pode ter duas formas, a sua forma herbácea conhecida como marijuana e a sua forma resinosa conhecida como haxixe. O principal constituinte psicoativo é o THC (Tetra-hidrocanabinol), que contem dois recetores o CB1 (efeitos psicotrópicos) e o CB2 (efeitos analgésicos). Um cigarro enrolado pode ter entre 1-10g THC, dependendo da derivação da cannabis, comer a substância tem uma menor absorção de 10-20% comparando com a inalação do fumo 50-60%.
O uso de cannabis desencadeia efeitos psicóticos, cognitivos e de controlo psicomotor, efeitos esses que vamos analisar ao nível hormonal, na perda ou ganho de peso, níveis estéticos e também como afeta a performance.
Os efeitos podem ser diferenciados, dependendo do género do indivíduo, da dosagem e da administração a longo ou curto prazo. Existem atletas que afirmam que têm menos ansiedade e mais resistência, outros que têm menos vontade de treinar e ficam mais sonolentos, mas afinal, em que é que ficamos?
HORMONAL
Os estudos feitos até ao momento sobre o efeito da marijuana nos níveis de testosterona dividem-se e não existe um consenso. Para pessoas que consomem pouca ou nenhuma, os níveis de testosterona baixam ligeiramente, o que não é positivo, mas também não é nada de outro mundo, apenas um alerta. No caso dos usuários regulares, os níveis parecem manter-se. Não se esqueçam que a testosterona tem um papel fundamental no crescimento muscular.
Não existem estudos que comprovem que o efeito da cannabis prejudique a hipertrofia muscular. Existem, sim, estudos que demonstram a inibição da secreção de hormona de crescimento, mas para além de terem sido realizados em ratos, foram usadas doses elevadíssimas (200 mg de THC).
Observou-se que, os consumidores de marijuana tiveram reduções nos níveis de testosterona (Kolodny et al., 1974). Por outro lado, um estudo realizado na Dinamarca demonstrou o oposto, apontando para o aumento dos níveis de testosterona com o uso frequente de marijuana (Gundersen et al., 2015).
Num outro estudo (Thistle et al., 2017) realizado em 1577 homens mostrou uma relação entre o aumento dos níveis e a sua diminuição com o uso recente e não uma relação com a duração ou frequência do uso da substância. Os resultados deste recente estudo foram idênticos aos resultados do estudo dinamarquês indicando que o mecanismo biológico pelo qual a marijuana exerce um efeito na produção hormonal provavelmente envolve a resposta dos canabinóides recetores CB1 e CB2 ao THC. Esses recetores são funcionais no órgão reprodutor masculino, incluindo as células dos testículos, o principal produtor de testosterona em homens. A produção de testosterona diminui com a idade, mas as mudanças de produção de testosterona também ocorrem como resultado da alteração do ambiente intracelular (Beattie et al., 2015), que pode levar ao stresse oxidativo e danos nas componentes celulares.
PERDA E GANHO DE PESO
Num estudo (Greenberg et al., 1976) que investigou os efeitos do uso de marijuana no peso corporal e na ingestão calórica, observou-se, ao longo de 21 dias, um grupo de indivíduos que fumava com regularidade (durante 5 anos, em média 42 vezes por mês), um grupo que fumava casualmente (durante 5 anos, em média 11 vezes por mês) e um grupo de controlo que não fumava.
Nos primeiros cinco dias, os indivíduos ganharam cerca de 1.3 kg a 1.6 kg e o grupo de controlo ganhou apenas 0.09 kg. Um outro facto interessante é que não houve retenção de líquidos mesmo com o ganho de peso. Existe então, para os usuários de cannabis, um aumento da ingestão calórica e aumento do peso associado.
Notas:
- Cada cigarro enrolado continha 1 mg de cannabis, 1.8-2.3 % THC.;
- Aumento da ingestão calórica 3horas após a administração da droga.
Associado à tolerância à cannabis, é possível que a ingestão calórica venha a ser reduzida ao longo do tempo, ou seja, embora o THC estimule o apetite, parece que o consumo a longo prazo resulta de uma diminuição progressiva do apetite com consequente diminuição da ingestão calórica e perda de peso, daí a taxa de IMC ser mais baixa em consumidores de cannabis.
Também é relevante falar da proteína mTOR que desempenha um papel crucial, sendo responsável pela regulação do crescimento celular e síntese de proteínas. Existem evidências de que o consumo de cannabis a longo prazo perturba a estimulação desta proteína, ou seja, alerta vermelho pessoal, aquilo que qualquer atleta deveria detestar é ter o seu crescimento celular e a sua síntese proteica afetada.
PERFORMANCE
Quando falamos em performance, obviamente está incluído o sistema neuromuscular e todos os mecanismos neurais. Ao que parece o uso de cannabis diminui o tempo de reação, coordenação e nível de atenção e pode durar até 36 horas após o uso.
Um estudo realizado em pilotos de avião, recorreu a doses de 7-8 mg THC (1-4 cigarros enrolados) e observou maiores desvios de voos devido à queda do fluxo sanguíneo no lobo temporal do cérebro (tarefas de foco). Ainda assim, aumentou o fluxo sanguíneo no lobo frontal e cerebelo lateral (capacidade de tomar decisões, sistema sensorial, comportamento sexual e emoções).
Pode sim, estimular a mente num processo de criatividade, mas tem efeitos negativos na memória a curto prazo (Rossi, 1977). A sensação de relaxamento sentida enquanto se fuma, também pode prejudicar o impulso mental, afetando o foco a longo prazo durante o treino. O foco é importantíssimo, por exemplo, num treino de hipertrofia, a ligação corpo-mente não é mito. Assim está visto que, para ir para o ginásio para ter ganhos musculares, provavelmente não será compatível com fumar uns “canhões”.
Exercícios nucleares como o supino, squat, press de ombros, peso morto, remadas, que são usados preferencialmente em treino de força com métodos neurais envolvem uma grande participação do sistema neuromuscular e, por isso, implicam a participação de mais do que um grupo muscular. Em específico nos métodos neurais, a produção de força em tempos reduzidos será uma má escolha, pois a preguiça tomará conta de ti.
Agora nem tudo é mau, aquela sensação de relaxamento pode ser útil, pois o seu efeito pode relaxar os músculos e remover a dor causada por um treino intenso. Mandar uns “bafinhos” pós treino pode ser um caminho para tirar quaisquer dores lancinantes da sessão intensa de treino no ginásio, por exemplo, um atleta de artes marciais poderia beneficiar em doses reduzidas em prol da redução de dor e criatividade.
A recuperação dos danos musculares no pós treino acompanhada de uma boa noite de sono são essenciais para os ganhos musculares, contribuindo para um relaxamento após um longo dia no ginásio, o que pode ajudar a aliviar a tensão do corpo para um descanso ainda melhor.
No entanto, existem “malucos” que afirmam beneficiar da capacidade da planta para acalmar o seu sistema nervoso, dando-lhes aquele impulso extra no ginásio e que por essa razão, se sentiram melhores durante o seu treino.
Um outro estudo sobre os efeitos da cannabis na performance verificou o aumento da frequência cardíaca de repouso e o aumento da pressão arterial, tanto sistólica como diastólica, ausência de perdas significativas de força ou capacidade trabalho e redução da frequência cardíaca em 25% comparando com o grupo placebo (Steadward, 1975).
Nos 10 minutos seguintes ao momento de fumar uma ganza (com 1.7% THC), reduziu o tempo de fadiga em cicloergometro (Renaud, 1986), a mesma dose (7mg de THC) num exercício submáximo (15 min a 50% do VO2 max. ) não afetou a pressão arterial, ventilação ou consumo de O2, contudo aumentou a FC antes durante e após o esforço (Avakian,1979).
Efeitos positivos em indivíduos com asma que fumaram marijuana antes de um esforço (Lach, 1979) apontam para a redução de stress e ansiedade pré-prova (efeito de relaxamento, bem-estar e boa qualidade sono), contudo pode prejudicar a performance (Lorente, 2005).
Na performance do exercício e a nível psicomotor, verifica-se um efeito sedativo, menor tempo de reação e outros efeitos psicomotores, aumento da FC e PA, declínio do débito cardíaco e redução da atividade psicomotora.
Apenas 15 estudos publicados investigaram os efeitos do THC em associação com o exercício. Destes estudos, nenhum apresentou melhorias no desempenho aeróbico. Em exercício induzido, a asma mostrou-se inibida. Em termos de efeitos prejudiciais, dois estudos descobriram que a maconha angina precipitada a uma carga de trabalho mais baixa (100% dos indivíduos) e a força é provavelmente reduzida. Alguns dos participantes não puderam completar um protocolo de exercício devido a reações adversas causadas pela cannabis.
Nestes estudos, dois envolveram pacientes com doença coronária, um investigou indivíduos asmáticos, quatro usaram exercício submáximo, três usaram apenas o exercício, um comparou THC com synhexal (um análogo de cannabis), dois estudos investigaram o efeito do exercício como adjuvante da reabilitação de drogas, e os últimos dois mediram o efeito do exercício na concentração de THC no plasma.
Destrói o cérebro?
Não existem evidências de que aconteça, mas se sim, apenas a longo prazo (Maugh 1974).
Álcool pode matar neurónios mas cannabis apenas altera o seu funcionamento, contudo o uso crónico a longo prazo leva a danos na cognição, atenção e memória, mas não conduz à morte neural.
Pessoas que fumam todos os dias terão disfunções cerebrais, esquecimento, dificuldade em reter informação, mas passando 28 dias sem fumar, as coisas voltam a estabilizar.
CONCLUSÃO
Drogas provenientes da cannabis são as mais conhecidas e provavelmente mais consumidas em todo o mundo. E assim como todas as outras drogas, incluindo álcool (legal), cigarros (legal), medicamentos prescritos e café, poderão ter algum tipo de efeito negativo. Embora ninguém tenha relatado uma morte devido a uma overdose de marijuana, ao contrário das outras drogas, continua a ser ilegal em Portugal.
Os efeitos vão variar sempre consoante a dose, o género do indivíduo e do facto da administração ser feita a curto ou longo prazo.
A nível hormonal parece ser onde há menos consenso, uma vez que os estudos que demonstram a inibição da secreção de hormona de crescimento, para além de usarem doses elevadíssimas, foram realizados em ratos. Existem estudos que demonstram a redução dos níveis de testosterona em indivíduos que não fumam com regularidade, embora a redução não seja significativa, mas os indivíduos que fumam com regularidade, parecem conseguir manter os seus níveis, mesmo em circunstâncias onde a tendência é a sua diminuição.
Ao nível da perda ou ganho de peso, o apetite aumenta principalmente nas 3 horas após o consumo, o que levará a uma maior ingestão calórica e consequente ganho de peso (1-2kg, nada por aí além) mas a longo prazo o efeito parece reverter, o que levará a uma menor ingestão calórica devido a redução de apetite e perda de peso. Em fumadores não regulares pode haver benefícios na fase de bulking. Em cutting será prejudicial tal como a longo prazo para quem pretende ganhar peso. A longo prazo também parece inibir a mTOR, o que prejudica a síntese proteica e o crescimento muscular.
Ao nível da performance diminui o tempo de reação, diminui o nível de atenção, nenhuma vantagem em treinos de métodos neurais, embora estimule a mente em processo de criatividade, mas para performance não parece ser uma grande benesse, se bem que para lutadores de artes marciais, talvez possa ser interessante, assim como a sensação de relaxamento após o treino e melhores noites de sono. Aqui sim encontro aquela que para mim é das poucas vantagens, fumar apenas pós treino. A diminuição do stress e ansiedade antes da prova parece positiva, mas depois terá a desvantagem na performance, o que se torna pouco interessante.
Os efeitos pulmonares seriam de pouco valor para desportistas com asma, em exercício induzido ou não, já que existem agentes mais efetivos atualmente disponíveis que possuem menores reações. A administração aguda induz taquicardia em todos os sujeitos, na medida em que o uso frequente resulta na redução da pressão arterial de repouso. O pequeno número de estudos científicos mostra que o consumo de cannabis diminui o desempenho aeróbico ou não tem efeito sobre ele, ou seja, aqueles efeitos que poderiam ser benéficos, como broncodilatação ou a redução de dor, acabam por ser anulados pelos outros mencionados anteriormente.
Não existem estudos que tenham avaliado a força ou desempenho atlético semelhante ao que já foi realizado com esteroides anabolizantes ou estimulantes.
Não há razões teóricas para acreditar que poderia aumentar a força ou resistência. No entanto, pode prejudicar habilidades em situações extremas.
Existem evidências de que os efeitos psicológicos podem ter um efeito calmante antes dos eventos, mas isso não foi confirmado ou refutado.
A cannabis é amplamente utilizada como complemento da atividade desportiva e permanece proibida. O que se pode dizer é que o THC não melhora o desempenho no exercício aeróbico e pode afetar negativamente a coordenação em alguns desportos. Existem muitos relatos de casos, associando THC e análogos com efeitos cardíacos adversos. Estes efeitos combinados com a redução comprovada da angina limiar representam um risco num atleta mais velho e naqueles com doença cardíaca não reconhecida.
O lado negativo da cannabis no desporto parece-me maior do que o lado positivo, por isso, deixem de ser “uma maria vai com as outras” e não é porque ouviram falar ou viram uma foto ou vídeo de alguém que a quem se pode chamar um ídolo, como o Arnold Schwarzenegger, a fumar umas ganzas, que vocês também o vão fazer, pensado ser muito bom, porque vocês não sabem quando é que ele fazia, com que frequência, com que duração, a quantidade, a forma como o corpo dele reagia, provavelmente nem tomam a “bombinhas mágicas” que ele tomava para manter altos níveis de testosterona, entre outras coisas…
Por isso, espero que tenham gostado da minha abordagem ao tema. É apenas a minha opinião baseada na minha leitura, e acredito sim, que a cannabis terá mais vantagens no tratamento de outras doenças, mas aqui não parece ser a melhor parceira de treino.
“a pior droga é aquela que tu não sabes manusear, não sabes gerir e que leva a tornares-te dependente dela.”
Referências:
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ISAAC GREENBERG*, JOHN KUEHNLE, JACK H. MENDELSON, and JERROLD G. BERNSTEIN. (1976). Effects of Marihuana Use on Body Weight and Caloric Intake in Humans. Psychopharmacology 49, 79- 84
A. MICHAEL ROSSI, JOHN C. KUEHNLE AND JACK H. MENDELSON (1977). Effects of Marihuana on Reaction Time and Short-Term Memory in Human Volunteers. Pharmacology Biochemistry & Behavior, Vol. 6, pp. 73--77.
Steadward RD, Singh M: The effects of smoking marihuana on physical performance. Med Sci Sports 1975, 7:309–311.
Renaud AM, Cormier Y: Acute effects of marihuana smoking on maximal exercise performance. Med Sci Sports Exerc 1986, 18:685–689.
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Lorente FO, Peretti-Watel P, Grelot L: Cannabis use to enhance sportive and non-sportive performances among French sport students. Addict Behav 2005, 30:1382–1391.
Kennedy Michael C.Cannabis: exercise performance and sport.A systematic review.Journal of Science and Medicine in Sport. http://dx.doi.org/10.1016/j.jsams.2017.03.012
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